Martin Luther King terá dito que “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. “Terá dito”? Sim. Ao que parece, os peritos do MPLA (especialistas do mais reputado gabarito internacional) estão prestes a provar, comprovar e decretar que o verdadeiro autor dessa frase é António Agostinho Neto. Martin Luther King terá dito, isso sim, “não vamos perder tempo com julgamentos”…
Regressemos ao mundo real. Luaty Beirão é (há quem corrija dizendo que… foi) um marco na luta pela democracia real em Angola. Provavelmente na nossa história de Angola haverá um antes e um depois do Luaty. Contra a vontade do regime, mas haverá.
Toda a luta do Luaty e dos seus jovens companheiros mostrou, contudo, que à sua volta gravita – mesmo que inconscientemente – muita avidez de protagonismo e não menos excesso de mediatismo.
À boleia da greve de fome do Luaty, apareceram na ribalta mediática dois protagonistas, embora em escalas diferentes mas ambos com legitimidade inatacável. Mas nem sempre o que é inatacável é o mais correcto, o mais justo, o mais aconselhável para a causa comum. Falamos de Rafael Marques e José Eduardo Agualusa.
José Eduardo Agualusa, ao contrário de Rafael Marques, doseou com perícia o seu protagonismo, as suas intervenções, não pecando por excesso nem cometendo o erro típico da saturação. Soube sempre dar o epicentro da luta a quem o merecia, Luaty Beirão, não confundiu o essencial com o acessório, e foi capaz de mostrar ao mundo a razão dos angolanos.
Rafael Marques, pelo contrário, esteve em todas, foi a todas e repetiu até à exaustão factos que, embora verdadeiros, passaram a “saber” a vulgaridades, tão gigantesca tem sido a sua massificação. Não é o excesso de balas disparadas que matam mais inimigos. São, isso sim, as balas disparadas com conta peso e medida.
Rafael Marques sabe disso mas não resiste à tentação de confundir a quantidade com a qualidade. Falou muito, disparou em todas as frentes. Fez alguns estragos. Pelo contrário, José Eduardo Agualusa gastou menos munições, escolheu as frentes de combate e, no cômputo, fez muito mais estragos.
À Redacção do Folha 8 continuam a chegar mensagens dos mais diversos pontos do mundo que, a este propósito, se podem resumir numa só pergunta:
– A Oposição cívica, social e intelectual de Angola só tem uma pessoa (Rafael Marques) capaz de falar do assunto?
Tem mais, é claro! Tem muitas mais. Mas a verdade é que, tanto quanto parece, diversos organismos internacionais, com destaque para a Amnistia Internacional (que teve no caso do Luaty Beirão um papel único), só conhecem Rafael Marques. Reduzem a luta pelos direitos cívicos em Angola a Rafael Marques.
E tanto assim é que, do ponto de vista político interno de Portugal, o próprio Bloco de Esquerda – o único partido português que não se rendeu ao regime de Eduardo dos Santos mas que já o fez em relação a João Lourenço – só conhece Rafael Marques.
Também os media portugueses quando abordam questões angolanas só conhecem, por regra uma única pessoa, Rafael Marques. João Lourenço sabia de tudo isto. E, por isso, condecorou Luaty Beirão e Rafael Marques.
Nos últimos meses de via até mesmo o regime de Eduardo dos Santos gozou com a situação. Como é natural, o Folha 8 contacta com regularidade organismos do regime para (tentar) obter reacções, comentários ou informações sobre diversos assuntos. A regra do regime é não responder. Mas, algumas vezes, dizem-nos: “Perguntem à única pessoa que é reconhecida no exterior como porta-voz da oposição social e cívica, Rafael Marques”.
Todos sabemos, reconhecemos e enaltecemos o enormíssimo contributo de Rafael Marques. No entanto, importa ter a noção de que o que é demais é moléstia. Não nos esqueçamos que, no teatro da vida, os espertos sentam-se na primeira fila e os inteligentes na última.
Os primeiros fazem-no porque querem ser vistos. Os segundos… porque querem ver.